Emiliano Augusto Cavalcanti de Albuquerque e Melo (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1897 – idem, 1976).
Pintor, ilustrador, caricaturista, gravador, muralista, desenhista, jornalista, escritor e cenógrafo. Um dos expoentes da pintura brasileira, Di Cavalcanti (nome escolhido por ele para assinar seus quadros) destaca-se por retratar figuras populares em sua busca constante por constituir uma arte nacional.
Começa a trabalhar como ilustrador em 1914, no Rio de Janeiro, e publica sua primeira caricatura na revista Fon-Fon. Em 1917, muda-se para São Paulo, onde, além de frequentar a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, realiza sua primeira exposição individual de caricaturas e faz ilustrações e capas para a revista O Pirralho.
A efervescência cultural em alguns círculos modernos de São Paulo e a exposição de Anita Malfatti (1889-1964), em 1917, levam-no a retomar o estudo de pintura com o pintor e professor alemão Georg Elpons (1865-1939), no Rio de Janeiro. Em suas primeiras obras, Di Cavalcanti utiliza tons pastel e retrata personagens misteriosos, mergulhados na penumbra, como Figura (1920), e Mulher em Pé (ca.1920), o que faz com que o escritor e poeta Mário de Andrade (1893-1945) o chame de “menestrel dos tons velados”1.
Nesse período, torna-se amigo de intelectuais paulistas como o próprio Mário de Andrade, Oswald de Andrade (1890-1954) e Guilherme de Almeida (1890-1969). Parte de Di Cavalcanti a ideia de realizar a Semana de Arte Moderna de 1922, para a qual cria o catálogo e o cartaz, e na qual expõe algumas obras. Em 1923, viaja a Paris, onde frequenta a Académie Ranson. A viagem possibilita-lhe o contato com importantes pintores contemporâneos, como o espanhol Pablo Picasso (1881-1973), os franceses Georges Braque (1882-1963), Fernand Léger (1881-1955) e Henri Matisse (1869-1954), influências que transparecem em suas obras, trabalhadas em uma linguagem muito pessoal.
A estada em Paris e o contato com esses artistas marcam um novo direcionamento em sua obra. Conciliando a influência das vanguardas europeias com a formulação de uma linguagem própria, adota uma temática nacionalista e se preocupa com a questão social. Isso pode ser observado em Samba (1925), considerada a obra-prima de Di Cavalcanti. Nessa tela, ele representa a figura da mulher negra seminua, recorrente ao longo de toda a sua obra, e o samba, um ícone da cultura popular brasileira. O diálogo com Picasso fica evidente no porte volumoso e monumental dos personagens e no tratamento dado às mãos e aos pés das figuras. Para se ter a dimensão da importância dessa tela, segundo Jones Bergamin, dono da casa de leilões Bolsa de Arte, ela tem um reconhecimento similar ao de Abaporu (1928), quadro de Tarsila do Amaral (1886-1973), sendo “uma das bandeiras da arte brasileira”2.
Ainda em 1925, o pintor retorna ao Brasil, e, em 1928, filia-se ao Partido Comunista do Brasil (PCB). Por causa do contato com o expressionismo alemão, durante sua estada na Europa, Di Cavalcanti passa a apresentar em sua pintura um uso mais acentuado da cor, iluminando sua paleta. Exemplo dessa influência é a tela Cinco Moças de Guaratinguetá (1930). Nela, o artista revela a formulação de seu estilo na utilização de formas simplificadas e curvilíneas e de cores quentes, em especial vários tons de vermelho, trabalhadas em uma poética lírica.
Funda em São Paulo, em 1932, com os pintores Flávio de Carvalho (1899-1973) e Antonio Gomide (1895-1967) e o artista plástico Carlos Prado (1908-1992), o Clube dos Artistas Modernos (CAM). No mesmo ano, durante a Revolução Paulista, Di Cavalcanti é preso pela primeira vez, e, no ano seguinte, publica o álbum A Realidade Brasileira (1933), série de 12 desenhos, nos quais satiriza o militarismo presente na época. Escreve ainda um artigo para o Diário Carioca sobre a exposição de Tarsila do Amaral, no qual ressalta a relação entre a produção artística e o compromisso social. É dessa época a obra Vênus (1938), em que está presente mais uma vez a mulher negra, com seus pés e mãos agigantados.
A década de 1940 marca sua maturidade artística e o reconhecimento público no cenário da arte moderna brasileira. Defensor ardoroso da arte figurativa, em 1948 pronuncia uma conferência no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP), Os Mitos do Modernismo, publicada na revista Fundamentos, sob o título “Realismo e Abstracionismo”, posicionando-se a favor de uma arte brasileira e contra o abstracionismo, tendência que começa a se expandir no país.
O pintor também tem obras significativas de arte muralista. Influenciado pelos murais do mexicano Diego Rivera (1886-1957), que contam episódios da história mexicana, Di Cavalcanti realiza diversos murais. Destacam-se: o painel do Hotel Jaraguá (1954), em São Paulo, antiga sede do jornal O Estado de São Paulo, no qual homenageia a imprensa; o painel em mosaico de vidro no Edifício Triângulo, projetado por Oscar Niemeyer (1907-2012) e inaugurado em 1955, que retrata os trabalhadores do café; e o painel Candangos (1960), feito em óleo sobre tela na Câmara dos Deputados, em Brasília.
Di Cavalcanti, em sua produção, atenta para a formação de um repertório visual ligado à realidade brasileira, compreendendo a arte como uma forma de participação social. Dessa forma, o artista valoriza em suas obras temas de caráter realista e voltados para a construção da identidade nacional.
Notas:
1. ANDRADE, Mário de. Di Cavalcanti. In: DI CAVALCANTI. Desenhos de Di Cavalcanti na coleção do MAC. Organização Aracy Amaral; introdução Aida Cristina Cordeiro; introdução Sônia Salzstein; comentário Aracy Amaral. São Paulo: MAC, 1985. p. 47.
2. MARTÍ, Silas. ‘Samba’ era obra mais ‘poderosa’ do modernismo, diz curador. Folha de S.Paulo, São Paulo, 15 ago. 2012.
Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/1137164-samba-era-obra-mais-poderosa-do-modernismo-diz-curador.shtml. Acesso em: 2 maio 2020. – itau Cultural tb.