JOÃO RANULPHO LOPES DE ALBUQUERQUE
Assina: J. Ranulpho. Goiana, PE, 28/05/1896 – Recife, PE, 17/08/1953.
DESENHISTA E CARICATURISTA
O caricaturista recifense Ranulpho que, no Recife, atuou durante anos, sempre sensível a inquietações do seu meio e do seu tempo e sempre artista experimental, pessoal e até inovador na sua especialidade, é dos que têm direito a um lugar tanto na história da arte como na história social da sua cidade. E, como diz Gilberto Freyre, “Cidade que talvez ser considerada, dentre as brasileiras, a mais presente no desenvolvimento, no Brasil, de uma arte de caricatura brasileiramente ligada a provocações sociais de meio e de época dos seus cultores.
É a cidade que produziu, nessa particular, um Emílio Cardoso Ayres talvez o maior caricaturista artista brasileiro de qualquer época um Pinheiro, um Nestor Silva, um Augustinho Rodrigues, um Péricles, um Lula Cardoso Ayres (que teve sua fase de caricaturista). O recifense é malicioso, analítico, crítico, contestador, rebelde, independente, altivo pendores a que corresponde a arte da caricatura.”
“No Recife Ranulpho fez a chamada “madureza” no colégio Ayres Gama.
E no Recife, ao mesmo tempo em que jogador de time infantil de clube de futebol e entusiasta de música e de teatro lírico, começou, desde criança, a desenhar. A apanhar flagrantes de rua. Até que, já adolescente, começou a ter caricaturas publicadas no jornal A Província.
Caricaturas além de artigos: sua vocação para a crítica social se anunciava tanto na escrita como no desenho. Terminaria só se afirmando no desenho: por vezes com alguma coisa de vibrantemente jornalístico e até de panfletário. Com alguma coisa do protesto. Nunca uma arte pela arte.”
“Em 1927, casou-se com recifense: a Senhorita Maria José das Neves. Já então trabalhava no Departamento de Saúde Pública. Inclusive fazendo desenhos de propaganda em assuntos de saúde e higiene. Passaria dentro e pouco, a traçar desenhos das chamadas “melindrosas” para revistas do Recife como A Pilhéria. Também a fazer desenhos de vestidos para amigas da esposa. Desenhos como marginais aos de sua predileção. Até que a Tramways o convidou para desenhista técnico: outro tipo marginal de desenho em relação à arte genuinamente sua. O Liceu de Artes e Ofícios engajou-o como professor de desenho. E organizaria, na mesma época, com Jaime de Oliveira, uma “Empresa de Arte Decorativa”. (Já era então amigo de outros artistas recifenses como Mário Nunes, Baltazar da Câmara, Lula Cardoso Ayres, Manuel Bandeira). Já se tornara um completo recifense integrado na vida da sua cidade. Estimulado pela tradição recifense de espírito crítico. Condicionado pelas então atualidades recifenses. Inclusive, tornando-se muito brasileiramente, muito pernambucanamente, o desenhista, para o Jornal Pequeno, de figuras de jogos de bicho para o palpite diário. O que fazia a 10 tostões por desenho”.
“Até que, por iniciativa própria e é possível que também influenciado pelo Movimento Regionalista, Tradicionalista e, a seu modo, modernista, começou a sair aos domingos a fim de colher apontamentos para desenhos a nanquim de tipos de rua. Neste particular, produziria sua arte com notável vigor de traço, um valioso documentário. Já não morava Ranulpho num terceiro andar da muito recifense Rua da Praia mas numa casa do também muito recifense recifense de outro gênero bairro dos Aflitos. De uma e outra dessas suas residências estratégicas e da terceira a Rua do Riachuelo, onde seria vizinho do pintor M. Bandeira foi se familiarizando com que o Recife tinha então de mais seu sob a forma de figuras humanas.
Foi retratando-as como desenhista: estivadores, balaieiros, vendedores de coco, de esteiras de Angola, de vassouras Gente humilde, autêntica, genuína. E tempo de Carnaval, passou a fixar em desenhos figuras de maracatu, de “caboclinhos”, de clubes populares. Tempo de “festa”, figuras de bumba-meu-boi e pastoril. Recebeu então influência do movimento, partido do Recife na década 30, a favor da valorização nos estudos sociais, nas letras, nas artes, de assuntos afro-brasileiras. Passou a freqüentar xangôs e a desenhar gente desses cultos”.
“Em técnica de caricatura, já recebera influência de J. Carlos. Mas tanto no seu trato de temas recifenses os da sua predileção como nas suas técnicas de desenho e de caricatura, repita-se que Ranulpho sempre se inclinou a acrescentar ao que aprendeu como autodidata, tendências para desenvolver interpretações experimentalmente novas e pessoais que podem ser hoje constatadas em desenhos de suas sucessivas fases de artista. Artista a quem nunca faltou o afã de aperfeiçoar sua arte, adquirindo nela maior segurança técnica sem prejuízo da tendência romântica. Mais que tendência: constante. Uma constante paradoxalmente aliada ao que nele foi pendor para a caricatura como expressão de um espírito muito recifense de crítica social. De sátira, até. E também de protesto”.
Mauro Mota registra no Diário de Pernambuco de 01/10/71: “J. RANULPHO Quem se lembra dele ainda? Os esquecidos e a gente mais nova podem ir conhecê-lo na exposição que o filho, a quem deixou excelente acervo de bom gosto pelas artes plásticas, vai promover agora, em outubro, na bela casa da Academia Pernambucana de Letras. Quase vinte anos depois da morte, J. Ranulpho reaparecerá, senão em carne e osso aliás, em pessoa, ele era mais osso do que carne no conjunto do que foi possível juntar, de sua produção, ao talento seletivo do pintor Adão Pinheiro. Quase todas as peças ligadas à nossa vida de gente e episódios, o que, sem tirar-lhes os valores artísticos, os reúne também como um documentário da história social de Pernambuco, entre 1920 e 1950”.
“J. Ranulpho atuou em outros campos, inclusive o de futebol, chegando a ser campeão pelo antigo Flamengo, do Tenente Colares; comentarista de “A Província”, estatístico do D.S.P., Professor do Liceu de Artes e Ofícios, funcionário da Pernambuco Tramways ao lado de Manoel Bandeira aí já com uma chance, a de ser o inventor do “Doutor Kilowatt, Seu Criado Elétrico”, boneco que correu mundo, chegando até as revistas de New York mas, parece, em todos esses lugares, tirava mesmo era a substância humana para os seus desenhos”.
“Fez-se no Recife, intérprete das “melindrosas” e dos “almofadinhas” da Rua Nova, ilustrador semanal das revistas “A Pilhéria” e “Pra Você” e de livros de versos, um deles, o de Austro Costa, “Mulheres e Rosas”, caricaturista de boa raça, virando, com seu jeito de psicólogo e em traço fino, o fino, agora, em significação dúplice, os tipos pelo avesso, fixando, às vezes, além das aparências, o que eles mais queriam esconder. Deu aos seus lápis e aos seus pincéis, às suas cartolinas e às suas telas, uma preocupação sempre social. Daí ter-se dirigido, em sua última fase, que passou a primeira na escala da validez, mais para os temas da cultura popular, os cultos afro-brasileiros, os espetáculos populares”. (. . .)
O engenheiro e poeta Joaquim Cardozo, faz-lhe referências: (…) “alguns anos depois, encontrei-o fazendo caricaturas para revistas e jornais; tinha um traço firme, lembrando o desenho linear de J.Carlos; os da sua autoria possuíam, entretanto, uma linha firme e densa que diferia da de J.Carlos, na falta que neles se sentia da delicadeza e suavidade dos desenhos desse último. J.Carlos que em alguns pontos lembrava Beardsley (desenhos a traços), muito se afastava do grande desenhista inglês nos desenhos a pincel (aqui imitava Rackham); J. Carlos, dizia que, não tinha um interesse especial pelos motivos anedóticos e J.Ranulpho tinha, por estes últimos, uma predileção especial. Visitando-o uma vez na sua casa presenteou-me com dois desses desenhos de coisas e objetos do Nordeste, desenhos que, infelizmente, perdi-os; na coleção de livros que deixei em Pernambuco ficaram esquecidos como muitos outros”. (…)
O grande paisagista Mário Nunes escreveu: “A minha amizade com J. Ranulpho começou na época de 1925. Porte esguio, gestos moderados, calmo no falar, enfim, um moço discreto e cortez, portador de bons predicados. Retraído da sociedade para não se enfezar com as convenções da burguesia. Consolava-se com pouco, preferindo enriquecer o espírito com a sua arte que tão bem soube elevar. J. Ranulpho pintava e desenhava com interesse invulgar; ilustrador, caricaturista, decorador humorístico. Seus trabalhos eram resolvidos com harmonia de cor e segurança no desenho, não desprezando a forma anatômica de suas figuras, nem tão pouco a planometria. Infelizmente na sua época a pintura não tinha a divulgação de hoje, para que fosse melhor compreendida”.
CRONOLOGIA: Estudou no Colégio Ayres Gama no Recife em 1905, terminando o curso de Madureza em 1911. Em 1915 expõe uma série de quadros na sede social do Flamengo do Recife, ano em que se torna campeão de futebol pelo mesmo clube. 1922/23 colabora no Jornal A Província com “charges” e caricaturas de personagens da época. Trabalhava no Banco Ultramarino no Bairro do Recife e morava num “castelo” chamado “O Louvre” onde passou a ser a Joalharia Salatiel na Praça da Independência. Em 1927 trabalha no Departamento de Saúde Pública e nas horas vagas é bastante requisitado para desenhar “melindrosas e almofadinhas” em revistas como A Pilhéria e Prá Você. Casa-se neste ano com a Senhorita Maria das Neves. Neste mesmo ano passa a trabalhar na Pernambuco Tramways na secção de desenho técnico, juntamente com o desenhista Manuel Bandeira de quem se torna amigo. De 1927 a 1930 organiza com o arquiteto Jayme Oliveira uma Empresa de Arte Decorativa. Inicia uma série de apontamentos tomados ao vivo de tipos populares de rua. Em 1935 mora na Rua do Riachuelo em casa vizinha à do desenhista Manuel Bandeira. Em 1946 realiza a decoração de carnaval do British Country Club juntamente com Alexandre de Almeida sob motivos da Royal Air Force. De 1946/1950 executa uma série de bicos de pena onde desenvolve a temática já iniciada desde 1930; cenas de carnavais, estivadores e balaieiros, seu desenho se apura mais tecnicamente. Em 17 de agosto de 1953 falece na cidade do Recife.
BIBLIOGRAFIA
Catálogo. J. Ranulpho – Desenhos & Caricaturas. Academia Pernambucana de Letras, Recife, 1971.