Jessé Santos (PE)

Jessé Santos (PE)

Natural do Recife, PE.

Iniciou na arte em 1969. Estudou Desenho Arquitetônico no Liceu de Artes e Ofícios e SENAI – Recife, PE. Autodidata, Realizou diversas exposições individuais em Salões, Museus e Centros de Arte do Brasil e do Exterior, entre elas: Mostra Itinerante, 1980/82; Congresso Brasileiro de Oftalmologia, R. de Janeiro, RJ, 1983; Banco do Brasil; Ag. Shopping Center Recife, PE, 1994; Mostra Itinerante / Espanha e França, 1995. Participou de inúmeras coletivas em Galerias e Espaços Culturais do Nordeste e Sul do país, destacando-se, no Recife, PE: Salão de Arte Contemporânea de Pernambuco, 1989; “Homenagem à Marinha” – II Exposição Coletiva – Cabanga Iate Clube, 1993; “Artists from Pernambuco”- Cultura Inglesa, Boa Viagem, 1994; e, em Vitória, ES: 46ª Reunião Anual da SBPC – Univ. Federal do Espírito Santo, 1994. Seus painéis figuram em hospitais, escritórios e residências, em Recife e Olinda, e tem inúmeros quadros integrando acervos particulares do Brasil.

Jessé, um pintor pernambucano.

Vida de artista nem sempre é fácil. A história relata cenas tristes sobre a vida de muitos pintores, atores, compositores e cantores. Van Gogh e Mozart, por exemplo, tiveram momentos bem difíceis. Praticamente morreram em clima de frustração e loucura. Só foram aclamados e reconhecidos quando já haviam partido para eternidade.

Há pouco tempo tomei conhecimento da morte de um popular pintor pernambucano, quase sempre levado ao ridículo e depreciado pela maioria daqueles que, no fundo, no fundo, desejavam adquirir uma das suas pinturas. Jessé era seu nome. Acompanhei por longo tempo sua trajetória como pintor e como ser humano. Dei muitos conselhos, promovi a sua arte em várias oportunidades e, sem muito sucesso, defendia-o da exploração a qual era submetido. Olhava-o, mesmo, com certa piedade e lembrava-me de nomes que a história guarda, sem que eles tivessem tido a satisfação de colher os frutos do próprio talento.

O pintor Jessé foi uma figura quase que folclórica. Tanto fazia chegar malvestido, quase maltrapilho, ou aparecer embalado num terno completo, incluindo colete e gravata. Era, como se dizia antigamente, de veneta. No dia a dia, finalizava um quadro qualquer e corria para rua buscando um comprador.

Geralmente vendia por preço bem abaixo do pedido inicial. Apurava um dinheirinho e logo, a seguir, escorria um conhaque goela-abaixo para comemorar e saia ao comercio, para comprar nova tela e mais tintas para recomeçar sua labuta. Como muitos e por várias vezes, levei para casa uma obra com tinta ainda fresca, com todo cuidado de não borrar.

Ele tinha pressa e parecia sempre estar vendendo seu ultimo quadro. Não sei quem comprou seu último quadro. Mas, sei que comprei várias obras das suas poucas fases. Antes de se tornar o pintor das mulatas de olhos faiscantes, Jessé passou pela fase dos casarios – ingênuo/primitivista total – pela fase dos florais, lembrando a arte de Francisco Brennand e, por fim, a fase que o acompanhou até a morte, a das mulatas.

Adquiri quadros de todas essas fases. Tenho comigo o primeiro quadro das mulatas, que acho uma beleza. Datado de 1972, lembro quando ele adentrou a minha sala de trabalho na SUDENE e quase gritando anunciou: “Novidade! Jessé agora pinta mulatas. Aqui está a primeira tela da série”.

Fiquei admirado com aquela tela. Imensa, medindo 100cmx75cm e com a tinta muito fresca, como sempre e pronta para ser vendida. “Vai comprar Dr. Girley?” Confesso que gostei do trabalho, logo de cara. Talvez pela novidade ou mesmo pelo tamanho da obra. Um trabalho vistoso.

Com duas mulatas e um floral a la Brennand. (Vide foto a seguir) Nessa tela ele mescla a fase anterior com a que iniciava. A tela está pendurada na parede da minha casa.

Outro dia, levei-a para uma revitalização e lá me ofereceram uma grana boa pela venda. Fiquei ressabiado e não cai na tentação. Acho que vem coisa por aí! Estou de olho. Interessante que, no momento da compra dessa tela, negociei, tive o cuidado de não explorar a arte do ingênuo e após pagar, fiz uma observação: “Você, agora, deixa de imitar Francisco Brennand e passa a imitar Di Cavalvanti”.

Um Jessé apressado, contando o dinheiro que havia apurado, me diz sem a menor dúvida: “Eu não estou imitando Di Cavalcanti, coisa nenhuma. Agora ele, sim, que copia Gaugin. É ou não é? Tchau, visse!” Fiquei pasmo com aquela saída. Dali em diante, o que mais vi foi telas de Jessé retratando mulatas. Esta acima (1973) é da minha coleção. Acho linda, olhar triste no infinito.

Logo, Jessé passou a ser chamado o pintor das mulatas. Ele “aprimorou” as figuras e deu formas mais rebuscadas. Certo dia chegou contente me falando da tela que pintou para ilustrar o programa de um congresso de oftalmologia, aqui no Recife. O cliente pediu que fizesse uma tela com uma mulata bem estonteante e com os olhos bem expressivos. Fazia sentido porque o negócio era com um oftalmologista. Foi quando apareceu a primeira mulata com olhos imensos, luminosos e amarelados, azulados ou de outras nuances. Eu não gostei da novidade, mas, teve quem gostasse.

Ele próprio nunca mais abandonou esse detalhe. Como sempre fui atento para seus trabalhos, terminei adquirindo alguns que marcam algumas passagens da vida do artista. Entre outros, tenho o que ele retratou um atropelamento que sofreu, em 1980, saindo com uma das pernas fraturada. Isto, hoje, é parte da história que se pode contar desse louco pelas tintas e pela arte de pintar.

Agora, que Jessé se encantou no infinito da eternidade, deixando seus trabalhos espalhados por uma infinidade de residências, escritórios, repartições publicas do Recife e de muitas cidades do Brasil e algumas no exterior, começam a surgir conversas enaltecendo o artista. Entender a humanidade é coisa muito complexa.

Soube, até, que algum curador ou marchand de tableaux pretende fazer uma exposição dos quadros de Jessé, num reconhecimento ao talento do louco e folclórico pintor que vendia suas obras por aviltados preços e de forma indiscriminada. Coisa típica de artista autêntico e sem interesse mercantilista.

Jessé, como bom artista, tinha sede de usar os pincéis, misturar as tintas e aplicá-las numa tela. O preço, o valor, era o de menor importância. Pobre Jessé. Tomara que esteja pintando mulatas, florais e casarios no infinito paraíso.

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